26 agosto, 2014

Parece gota mas é mar ou sobre um pensamento ínfimo.

Iniciei na carreira docente, especialmente na educação infantil, há seis meses. Um período conturbado e cinzento. Mais direcionado pelas incertezas e insatisfações do que por qualquer outro sentimento de completude. Atuar na educação é atravessar cotidianamente uma linha muito tênue entre o desejo e a frustração. O desejo de ensinar e a frustração de, na maioria das vezes, não conseguir realizar tal tarefa. Principalmente na educação infantil, devido a maneira como ela é pensada e oferecida em nossa sociedade. Compreender que estar na educação consiste em tentar equilibrar esses dois sentimentos é um exercício árduo e de sofrimento. Faz somente seis meses que estou em sala de aula e é inacreditável a quantidade de vezes que pensei em desistir. Das crises de choro que me levavam cada vez mais às reflexões e questionamentos avassaladores; da jornada exaustiva a qual os profissionais da educação são obrigados a cumprir.
O sistema perverso ao qual estamos expostos, inseridos e contaminados não nos dá trégua. Ter a consciência das relações submissas, doentias e caóticas que estão estabelecidas no ambiente escolar (e não só nele) é estar em constante perturbação. Há de ser forte. E minha força emocional ainda é pequena diante de tantas injustiças, a saber pelo tanto de vezes que já fiquei doente nesses seis meses. Neste período, mergulhada em questionamentos dos quais eu não encontrava respostas ou saídas, um deles eram insistentes:
-Por que diabos eu não consigo sair disso? Por que não exonero, não vou fazer outra coisa da vida? Se é insustentável, por que continuar? Para quê? Por vezes considero-me uma professora exigente demais com os pequenos, chata, brava.
Hoje, refletindo sobre tudo que venho passando, sobre tudo o que vejo os colegas da categoria sofrendo, ainda não tenho as respostas que busco. Aliás, as questões só se multiplicaram. Continuo pessimista. Mas dentro deste contexto todo, há a dialética. A antítese coloca-se clara. Quem nos revela a contradição é o próprio sistema. Não sei se me farei entender.
Ontem, na escola, eu estava lendo para as crianças um livro sobre as formas geométricas. Conversamos sobre o círculo, o quadrado, o losango etc. Eis que numa das páginas havia o formato de um coração. Em seguida perguntei:
-Pessoal, existe aqui na sala algum objeto, alguma coisa no formato de um coração?
Uma das crianças rapidamente levantou a mão e disse:
- Aqui, aquiii!
E foi logo apontando para o seu próprio peito.
Sabemos que o formato do coração desenhado no senso comum, como expressão do amor que sentimos por algo ou alguém, não coincide com a anatomia do órgão que faz parte do corpo humano. Mas é simbólico. Ainda que a criança não tenha se referido ao lado afetivo, ou tenha... esse fato ocorrido ontem fez com que eu repensasse a maneira como debruço o olhar sobre o subjetivo. Quem sabe agora de uma maneira mais leve (mas não menos crítico). E não por outra razão a não ser pela sensibilidade, que por vezes é aliciada pela barbárie. Aquela sensibilidade que surge como um raio de luz discreto na manhã. E talvez (mas só talvez), isso explique o porquê da minha insistência.